Falta pouco para eu completar 30 anos. Vejo minha vida em retrospectiva, como se fosse um filme. Não ligo para a idade que vou fazer, porém me comove o número de anos que vivi. Há uma semana, fui ao Rio de visita e, conversando com umas amigas, percebi que esqueci muitos acontecimentos da minha adolescência. Eu, que sempre tive boa memória, não lembro que um dia uma amiga tentou me bater na porta da escola de tanto que eu impliquei com ela. Ainda duvido que isso tenha acontecido, porém segundo ela, aconteceu, ela só não se lembra o porquê exatamente.
O mais engraçado disso, além do fato de uma amiga de um metro e cinquenta e oito ter falhado no intento de atingir um golpe em mim, é que depois dela ter me narrado essa lembrança, minha mente criou imagens desse encontro e agora eu meio que me lembro, porém essa recordação não me parece real.
Quem cria esse filtro de memórias dentro da minha cabeça sou eu? É uma aleatoriedade tão grande que, às vezes, penso que outra pessoa deve ser responsável pela sala de arquivos da minha mente, pois não é possível que eu prefira me lembrar de certas inutilidades e esquecer momentos importantes como esse dia que eu enchi tanto a paciência de uma amiga que a levei ao borde do ataque de nervos.
Eu sempre fui implicante, ainda sou. O sarcasmo é um mecanismo de defesa para muitas pessoas, porém no meu caso, é grande parte da minha personalidade. Talvez tenha começado como tal, mas se desenvolveu de uma maneira tão poderosa que não consigo ver uma versão minha que não seja levemente insuportável. A soberba é outra característica minha, mas como também sou insegura, quase sempre me posiciono de uma maneira equilibrada. A menos que a impaciência entre em jogo, nesse caso, deixo de ser levemente insuportável e passo a ser intragável.
Hoje, aos quase trinta, já explorei várias versões de mim. Nem todas as pessoas que conheci nesse tempo tiveram o prazer, ou desprazer, de conhecer cada uma delas. Na verdade, só eu conheço todas as minhas versões. Quem me lê, conhece um lado meu que não mostro fora dos textos, meu eu introspectivo. Quem vê minhas histórias nas redes sociais, vê meu lado desinibido e espalhafatoso. Quem convive comigo, vive uma amostra do que sou, influenciada pelo ambiente onde me encontro.
Vivo em constante mudança. Mudo meus planos conforme mudo meu pensar; mudo de casa e de prioridades; mudo tudo em mim mesmo que fora, nada mude. Entendo que, muitas vezes, é chocante para as pessoas deparar-se com alguém que vive em constante mutação, até porque, ninguém além de si mesmo é capaz de acompanhar todas as transformações vividas. Essa minha inconstância que, às vezes, chamo de evolução, já gerou conflitos em minhas relações. É difícil para alguém que não convive com você há anos, enxergar quem você é hoje e ignorar o seu eu passado. Assim como é difícil ter que retroceder e reviver essas memórias de alguém que você já não é, para explicar aquilo que você se tornou.
Passei por diferentes fases desde que comecei a me entregar a minha inconstância, digo, evolução. Quando sai de casa, deixei para trás tudo que me remetia àquela vida, àquela cidade. Me apresentei como aquela pessoa que estavam vendo, sem história, sem passado, apenas presente. Depois, senti a necessidade de compartilhar fragmentos da minha história que me guiaram até esse caminho. Logo, cansei. Hoje, já não penso tanto sobre o assunto. Divido o que quero, quando quero e com quem quero. Se surge o tema, participo contando meus relatos e só. Não há mais insegurança nem emoção em meus desabafos, são fatos e nada mais.
A minha inconstância vem adquirindo um ritmo cada vez mais frequente. Apesar de continuar mudando, enxergo em minhas atitudes, certos padrões que me levam a acreditar que talvez não seja soberba da minha parte chamá-la de evolução. Talvez eu esteja, de fato, evoluindo através da consistência da minha inconstante vida. Reflito muito o tempo inteiro sobre as minhas decisões, questiono-as regularmente e sempre que duvido de mim, me reafirmo consciente das minhas escolhas.
Hoje, com quase trinta anos, ainda não consigo enxergar direito o que eu almejo, mas posso sentir que se encontra cada vez mais próximo. Confio nessa minha intuição, afinal é graças a ela que cheguei até aqui, e sigo em direção a esse futuro turvo. Sou grata a todas as lições da vida, sou grata a tudo aquilo que ficou para trás. Levo comigo uma bagagem enorme de lembranças incríveis, sabendo que muito provavelmente, elas serão substituídas por outras talvez não tão importantes assim… Talvez porém, ao reencontrar-me com algum vestígio dela, volte a existir em mim a mais leve lembrança de algo que um dia me importou e isso me faça lembrar da falsa recordação que criei a partir daquela conversa com minha amiga…
Me emociona perceber que a minha história não se limita às minhas lembranças, ela se expande às lembranças que as pessoas têm de mim. Minha vida em retrospectiva é um filme colaborativo. Sou bem mais do que acreditava ser.
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