Morto-vivo

Eu não tenho medo da morte.

Não tenho medo, porque ela não me persegue.

Não me espera na esquina de casa,

não me acorda aos berros,

não me visita todos os dias para dizer que anda por perto.

Quando eu morrer, será por acaso ou por velhice.

Talvez, no breve instante que antecederá a minha passada, sentirei medo;

ou, quem sabe, acharei graça.

Talvez até sinta alívio ao perceber que, logo, serei fumaça.

Hoje, porém, penso na morte e não sinto nada.

Sou afortunada.

Bem longe de mim

(mas não tão longe assim)

há pessoas que vivem pensando na morte —

pessoas que, diferente de mim,

não tiveram sorte.

Acordam incerteza,

dormem insegurança.

Todos os dias são nublados:

o sol é cinza, o céu é cinza,

todos os sorrisos, amarelos.

Quase-mortos,

quase-vivem —

uma tal quase-vida.

Ou seria

quase-morte?

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